domingo, 16 de julho de 2017

Sabedoria e Sentimento Indígena (Aldeia de Araquari)


Ontem estive pela primeira vez na aldeia Tiaraju que fica às margens da BR-101 em Araquari, próximo à divisa com Guaramirim (norte catarinense). Enquanto eu adentrava a área, crianças iam surgindo pelo caminho com o olhar curioso. Aliás, chegando na aldeia é que vi o quão grande era a quantidade de crianças e também de cachorros que se misturavam às galinhas e aos outros integrantes da comunidade; todos convivendo no mesmo espaço em perfeita harmonia. 

Fui recebido pelo cacique Ronaldo que me permitiu fotografar a maior construção do terreno: a casa de reza; uma construção feita de barro, bambu, palha e uma espécie de cipó. Segundo o cacique, todos se reúnem diariamente na casa para rezar. O local também é utilizado para passar os ensinamentos indígenas às crianças, que inclui o respeito à natureza, às pessoas e a manutenção da língua Guarani. A casa serve ainda como local de palestras dadas à estudantes de escolas de cidades como Jaraguá do Sul e Joinville, e também para apresentações ocasionais dos dois corais da aldeia, sobre os quais Ronaldo fala com muito orgulho. Durante a conversa muita coisa interessante ouvi do cacique como o que segue:

"Sempre que precisamos tirar algo da natureza, antes pensamos se aquilo não irá fazer falta, ou, no caso das plantas, se há possibilidade de nascerem mais da mesma espécie. 

Todo homem deveria respeitar a natureza, pois o homem faz parte da natureza e a natureza também está no homem, e tudo está ligado, tudo é uma coisa só. Não há divisão. Da natureza vem os seres, o alimento, a cura; então não faz sentido destruí-la. 

Tudo deve ser usado conforme necessidade. Não deve haver exageros. 

Nos preocupamos muito com a mata, ela filtra os males trazidos pelo vento, protegendo a aldeia e a cidade. Mas o homem da cidade não entende isto e destrói tudo por dinheiro e sem pensar no amanhã. 

Hoje não consigo ensinar as crianças a caçar e pescar, pois já não existem animais da terra e nem peixes na região. Temos muitas dificuldades. A área destinada à aldeia é muito pequena e a terra não é boa para o plantio. Não podemos tentar nada além desse pedaço de terra. 

Não entendo como o homem pode alugar, comprar e vender algo que não é dele. A terra é de Deus, da natureza e para o uso de todos."

Enquanto conversávamos não tive como deixar de notar o respeito com que as crianças se dirigiam ao jovem cacique. Respeito que também estava presente nas brincadeiras. Enquanto jogavam futebol, não ouvi sequer um grito ou palavrão, pelo menos em português. 

Os pequenos também pareciam felizes e tinham um certo ar de pureza. Os adultos conversavam de forma discreta e aparentavam uma certa serenidade mesmo diante do pouco que possuíam.

Na aldeia existem também dois pajés. Usa-se medicamento da cidade mas também muito remédio à base de ervas indicado pela pajé. Uma curiosidade sobre a casa de reza é que, segundo Ronaldo, ela é quente no inverno e no verão tem clima fresco. 

A valorização das tradições e a preocupação com a manutenção da língua é algo bem perceptível.


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