domingo, 30 de julho de 2017

O Último Desejo do Ego


"O inimigo se esconderá no último lugar em que você o procuraria". (Júlio César, 75 a.C.)¹

No dia 20 de julho, quando cheguei em casa do trabalho, meu filho me perguntou:
-Pai, sabe quem morreu?
-Não. Respondi.
-E ele disse: Chester Bennington (vocalista do Linkin Park, banda de rock que eu e meu filho gostamos muito). Ele se suicidou.

Mais tarde fiquei sabendo que no mesmo dia o pai da baterista Eduarda Henkelin (menina que ficou mundialmente conhecida pelo seu talento precoce), também havia tirado a própria vida. Alguns dias depois, lendo o noticiário, fiquei sabendo que uma universitária de 19 anos do Acre havia feito o mesmo e ao vivo via rede social. 

Na madrugada de sexta para sábado (28 e 29 de julho), como tem se tornado rotina, acordei por volta de 3 da manhã e depois de muito rolar, acabei acessando o Facebook. Em uma das páginas que acompanho havia um post com a seguinte pergunta: "O que lhe mantém acordado?" Li algumas respostas bem humoradas e movido pela vontade de rir um pouco mais continuei a leitura, no entanto, nem tudo era alegria. As pessoas resolveram expor suas realidades postando respostas como: "Falta de grana, desemprego, contas a pagar...", "O dia de amanhã", "A pressão de passar no vestibular", "Trabalho", "Ansiedade", "Problemas", "Suicídio".

A solução para todos esses problemas parece estar no lado externo de cada um, mas não está. Quando nascemos, não estamos preocupados com dinheiro, trabalho, estudos, classe social, pois nem sabemos o que tudo isso significa. Essas, são coisas que nos apresentam como parte de uma vida "normal". Você tem que ser batizado em alguma religião, estudar, trabalhar, casar, ter filhos, ser alguém na vida.

"A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo,
É menos do que eu preciso."²

E assim vão se formando os padrões dentro da sua cabeça e que te perseguem pelo resto da vida, ou pelo menos até você descobrir que isto não é você, este não é você. Uns descobrem um caminho e passam a viver bem, outros levam uma vida infeliz até o fim, ainda há aqueles que acabam com a própria vida. Quando se sente triste e confuso, sem forças para reagir, vão te dizer que estais deprimido e te receitarão fluoxetina ou alguma outra droga similar; outros vão dizer que é frescura, falta do que fazer ou coisa do demônio que está te possuindo. 

Particularmente acredito que tudo seja uma grande ilusão que nos pega de jeito. Todos nascemos bons e o que chamam de demônio está em nossas cabeças ditando ou querendo ditar as regras. Cabe a nós aceitarmos ou não. O céu ou inferno não são físicos e o que nos leva a um ou a outro é consequência das nossas escolhas. Sobre a possibilidade de vencer o inimigo, acredito não existir. Penso que precisamos conviver e até mesmo aprender com ele sem nos deixar levar pelas suas vontades.

Houve um dia em que uma mulher me falou que sempre teve o desejo de seguir uma determinada carreira. Então ela estudou, se especializou e conseguiu o seu objetivo. A partir daí começou a sentir a necessidade de ir mais adiante, então ela estudou mais, trabalhou mais e conseguiu chegar no topo de sua profissão. Aí surgiu uma pergunta em sua vida: "E agora?" Insatisfeita, a mulher abandonou o emprego, saiu do nordeste e veio para o sul. Começou tudo de novo e mais uma vez ela chegou aonde queria em sua vida profissional. Depois de tudo isso a questão retornou: "E agora?"

Se procurarmos, iremos encontrar inúmeras histórias semelhantes. Todo este roteiro parece vir de algo que não corresponde a quem somos, a nossa verdadeira essência. Este algo, às vezes se contenta com muito pouco, em outros casos ele quer sempre mais; dinheiro, poder, fama e até mesmo a nossa vida. Precisamos estar despertos para aprender a lidar com isto.

"Para que isso ocorra, o ser humano deve inicialmente reconhecer esse fato para posteriormente descobrir a causa. Sem reconhecer o direito de ser feliz, ele nunca vai viver numa sociedade justa, nem em harmonia com os outros seres. Esse direito lhe é intrínseco e habita o seu interior".³

A angústia muitas vezes vem do fato de querer ser normal em um mundo onde a loucura predomina. Querer fazer o que ensinaram que é certo, enquanto todo o resto parece estar errado.

Com a TV ligada enquanto preparava uma limonada numa manhã de domingo, a apresentadora do programa esportivo falou, enquanto mostrava os lances do futebol europeu, que um jogador que havia sido negociado por 60 milhões de euros tinha feito um gol que fez valer cada centavo nele investido. Isso me fez pensar o quão barato estava o tratamento dentário que eu vinha adiando há tempos. São por bobagens como estas que alguns sofrem valorizando coisas sem valor. O que você ganha quando o seu time ganha por exemplo?

"A Matrix está em todo lugar. É tudo que nos rodeia. Mesmo agora, nesta sala. Você pode vê-la quando olha pela janela, ou quando você ligar sua televisão. Você pode sentir isso quando você vai para o trabalho, quando você vai à igreja , quando paga seus impostos. É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para cegá-lo da verdade".⁴

Influências externas também criam seus vícios fazendo-te acreditar até que toda segunda-feira é ruim e que só os dias ensolarados são bons. Na verdade todo dia com sol ou chuva é lindo, toda segunda-feira com trabalho ou sem trabalho é maravilhosa, mesmo porque quando estamos em férias muitas vezes nos confundimos sobre em que dia estamos e até apreciamos uma tarde chuvosa.

Com relação a importância das coisas, quanto valeria aquela mansão que você viu na revista ou o carrão dos seus sonhos se de repente exceto você, toda a população do mundo desaparecesse? Não valeriam nada. Algo só tem valor monetário quando existe alguém que possa pagar. Sendo assim, parece que há alguma ilusão nisso não é mesmo? 

O que realmente vale a pena está conosco o tempo todo. Precisamos reconhecer o mau e aprendermos a evitá-lo. Identifiquemos o que faz parte ou não de nosso ser e passemos a ver a vida de uma outra forma.

"Se alguém quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a cruz cada dia e me siga (Jesus Cristo).”⁵

Se parece impossível sair desta prisão, reconhecer que ela existe já é um bom começo. O passo seguinte é descobrir como não levá-la tão a sério e finalmente sentir que é possível ser feliz mesmo vivendo com o "inimigo".

Referências:

1 - Revolver. Direção: Guy Ritchie. Produção: Luc Besson, Virginie Silla. Saint-Denis: EuropaCorp Films, 2005.

2 - Leoni; Paula Toller; Herbert Vianna. Educação Sentimental II. Kid Abelha e os Abóboras Selvagens. Educação Sentimental. Rio de Janeiro: Warner Music, 1985.

3 - Morgana Gomes. A Vida e o Pensamento de Buda. São Paulo. Minuano Cultural.

4 - Matrix. Direção: Lana Wachowski, Andy Wachowski. Produção: Joel Silver. Burbank: Warner Bros., 1999.

5 - Lucas 9:23



sábado, 29 de julho de 2017

Manipulação de Massas, Freud Explica


Nos idos de 1997, uma empresa brasileira de eletrodomésticos lançou o slogan "Produtos feitos para durar". Como consumidor achei aquela frase tão atraente que jamais esqueci. Ao meu ver, nada poderia ser tão inteligente para conquistar novos clientes em termos de propaganda. Mesmo assim, acho que naquela época não cheguei a comprar nenhum produto daquela marca, então não sei dizer se eles falavam a verdade. A verdade aliás, é que a marca ainda existe, o slogan, não mais. Talvez a exemplo de seus concorrentes, tenham percebido que produtos de longa duração são iguais a vendas limitadas. Ou, quem sabe, perceberam que entre produtos de boa qualidade e preços amargos, e de qualidade inferior com preços adocicados, grande parte dos consumidores preferia a segunda opção como no caso dos produtos made in China. Afinal, para alguns o importante é comprar barato, ainda que seja simplesmente para consumir mais e satisfazer o desejo de ter. Algo que não nasceu conosco, mas que é reflexo da ideia de consumismo que surgiu há décadas nos Estados Unidos pelas mãos de Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud. Baseado em um livro do tio, o publicitário entendeu que as pessoas são manipuláveis e pôs isto à prova quando durante um grande evento fez com que algumas mulheres fumassem cigarros próximo a equipes de imprensa. A ideia era fazer com que o público feminino passasse a fumar e que com isso alavancasse o consumo, já que a indústria do tabaco estava em decadência. Com as imagens divulgadas pelos meios de imprensa, as vendas dispararam. O cigarro que era visto como um símbolo masculino passou a ser consumido também pelas mulheres. Começava aí uma nova fase da publicidade. Bernays passou a trabalhar também para o governo, influenciando em algumas decisões políticas e sempre envolvido com a manipulação das massas. O consumismo passaria a se espalhar pelo mundo e grande parte dos fabricantes se tornariam adeptos da obsolescência programada (produto feito para durar pouco). Esta estratégia também cobraria um preço com o passar do tempo. Em 2012 a humanidade já estava consumindo 30% mais do que o planeta é capaz de repor. Para atender ao ego coletivo a natureza nos fornece todo o tipo de matéria-prima que devolvemos como lixo e pedindo mais. Esta mesma natureza num futuro não muito distante talvez venha a nos dar o limite que não encontramos em nós mesmos.

Referências:

Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Disponível em: <https://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/entenda-o-que-e-obsolescencia-programada>. Acesso em 29 de julho de 2017.

The Century of the Self (Happiness Machines). Direção: Adam Curtis. Produção: BBC. Documentário, 58'17". Disponível em: <https://www.youtube.com/watch/v=tHHVQy3Yd1w> Acesso em: 26 de julho de 2017.




domingo, 16 de julho de 2017

Sabedoria e Sentimento Indígena (Aldeia de Araquari)


Ontem estive pela primeira vez na aldeia Tiaraju que fica às margens da BR-101 em Araquari, próximo à divisa com Guaramirim (norte catarinense). Enquanto eu adentrava a área, crianças iam surgindo pelo caminho com o olhar curioso. Aliás, chegando na aldeia é que vi o quão grande era a quantidade de crianças e também de cachorros que se misturavam às galinhas e aos outros integrantes da comunidade; todos convivendo no mesmo espaço em perfeita harmonia. 

Fui recebido pelo cacique Ronaldo que me permitiu fotografar a maior construção do terreno: a casa de reza; uma construção feita de barro, bambu, palha e uma espécie de cipó. Segundo o cacique, todos se reúnem diariamente na casa para rezar. O local também é utilizado para passar os ensinamentos indígenas às crianças, que inclui o respeito à natureza, às pessoas e a manutenção da língua Guarani. A casa serve ainda como local de palestras dadas à estudantes de escolas de cidades como Jaraguá do Sul e Joinville, e também para apresentações ocasionais dos dois corais da aldeia, sobre os quais Ronaldo fala com muito orgulho. Durante a conversa muita coisa interessante ouvi do cacique como o que segue:

"Sempre que precisamos tirar algo da natureza, antes pensamos se aquilo não irá fazer falta, ou, no caso das plantas, se há possibilidade de nascerem mais da mesma espécie. 

Todo homem deveria respeitar a natureza, pois o homem faz parte da natureza e a natureza também está no homem, e tudo está ligado, tudo é uma coisa só. Não há divisão. Da natureza vem os seres, o alimento, a cura; então não faz sentido destruí-la. 

Tudo deve ser usado conforme necessidade. Não deve haver exageros. 

Nos preocupamos muito com a mata, ela filtra os males trazidos pelo vento, protegendo a aldeia e a cidade. Mas o homem da cidade não entende isto e destrói tudo por dinheiro e sem pensar no amanhã. 

Hoje não consigo ensinar as crianças a caçar e pescar, pois já não existem animais da terra e nem peixes na região. Temos muitas dificuldades. A área destinada à aldeia é muito pequena e a terra não é boa para o plantio. Não podemos tentar nada além desse pedaço de terra. 

Não entendo como o homem pode alugar, comprar e vender algo que não é dele. A terra é de Deus, da natureza e para o uso de todos."

Enquanto conversávamos não tive como deixar de notar o respeito com que as crianças se dirigiam ao jovem cacique. Respeito que também estava presente nas brincadeiras. Enquanto jogavam futebol, não ouvi sequer um grito ou palavrão, pelo menos em português. 

Os pequenos também pareciam felizes e tinham um certo ar de pureza. Os adultos conversavam de forma discreta e aparentavam uma certa serenidade mesmo diante do pouco que possuíam.

Na aldeia existem também dois pajés. Usa-se medicamento da cidade mas também muito remédio à base de ervas indicado pela pajé. Uma curiosidade sobre a casa de reza é que, segundo Ronaldo, ela é quente no inverno e no verão tem clima fresco. 

A valorização das tradições e a preocupação com a manutenção da língua é algo bem perceptível.


sábado, 8 de julho de 2017

Eles nos entendem


Sentados à beira da cama, conversávamos sobre o quão difícil vem se tornando o tratamento de nossa pequena Bella. Com sérios problemas de saúde, nossa amiga canina sofre desde o início de 2011, e os medicamentos vêm se tornando cada vez mais caros. Durante o diálogo com minha esposa, Bella permanecia deitada com a cabeça sobre as patas. Com aperto no peito, cheguei a falar que se a medicação chegasse a um valor alto demais, talvez fosse o caso de acharmos quem pudesse adotá-la e dar-lhe o tratamento adequado. Encerrada a conversa, saí em direção à cozinha para comer algo. Me estranhou o fato de que ela não veio atrás de mim como costuma a fazer, sempre esperando algo que possa comer também. Voltei ao quarto e vi que ela permanecia imóvel na mesma posição e com os olhos brilhantes. Imediatamente lembrei que cometi um grande erro em falar aquilo em sua presença. Então me aproximei dela e disse que independentemente de qualquer coisa eu a amo muito e vou cuidá-la até o último suspiro dela ou meu. Bella se levantou rapidamente e com o rabo balançando, saiu pela casa brincando muito e chamando a minha atenção para que fizesse o mesmo, como é de costume quando está feliz.