"O inimigo se esconderá no último lugar em que você o procuraria". (Júlio César, 75 a.C.)¹
No dia 20 de julho, quando cheguei em casa do trabalho, meu filho me perguntou:
-Pai, sabe quem morreu?
-Não. Respondi.
-E ele disse: Chester Bennington (vocalista do Linkin Park, banda de rock que eu e meu filho gostamos muito). Ele se suicidou.
Mais tarde fiquei sabendo que no mesmo dia o pai da baterista Eduarda Henkelin (menina que ficou mundialmente conhecida pelo seu talento precoce), também havia tirado a própria vida. Alguns dias depois, lendo o noticiário, fiquei sabendo que uma universitária de 19 anos do Acre havia feito o mesmo e ao vivo via rede social.
Na madrugada de sexta para sábado (28 e 29 de julho), como tem se tornado rotina, acordei por volta de 3 da manhã e depois de muito rolar, acabei acessando o Facebook. Em uma das páginas que acompanho havia um post com a seguinte pergunta: "O que lhe mantém acordado?" Li algumas respostas bem humoradas e movido pela vontade de rir um pouco mais continuei a leitura, no entanto, nem tudo era alegria. As pessoas resolveram expor suas realidades postando respostas como: "Falta de grana, desemprego, contas a pagar...", "O dia de amanhã", "A pressão de passar no vestibular", "Trabalho", "Ansiedade", "Problemas", "Suicídio".
A solução para todos esses problemas parece estar no lado externo de cada um, mas não está. Quando nascemos, não estamos preocupados com dinheiro, trabalho, estudos, classe social, pois nem sabemos o que tudo isso significa. Essas, são coisas que nos apresentam como parte de uma vida "normal". Você tem que ser batizado em alguma religião, estudar, trabalhar, casar, ter filhos, ser alguém na vida.
"A vida que me ensinaram como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso
Mas isso é menos do que tudo,
É menos do que eu preciso."²
E assim vão se formando os padrões dentro da sua cabeça e que te perseguem pelo resto da vida, ou pelo menos até você descobrir que isto não é você, este não é você. Uns descobrem um caminho e passam a viver bem, outros levam uma vida infeliz até o fim, ainda há aqueles que acabam com a própria vida. Quando se sente triste e confuso, sem forças para reagir, vão te dizer que estais deprimido e te receitarão fluoxetina ou alguma outra droga similar; outros vão dizer que é frescura, falta do que fazer ou coisa do demônio que está te possuindo.
Particularmente acredito que tudo seja uma grande ilusão que nos pega de jeito. Todos nascemos bons e o que chamam de demônio está em nossas cabeças ditando ou querendo ditar as regras. Cabe a nós aceitarmos ou não. O céu ou inferno não são físicos e o que nos leva a um ou a outro é consequência das nossas escolhas. Sobre a possibilidade de vencer o inimigo, acredito não existir. Penso que precisamos conviver e até mesmo aprender com ele sem nos deixar levar pelas suas vontades.
Houve um dia em que uma mulher me falou que sempre teve o desejo de seguir uma determinada carreira. Então ela estudou, se especializou e conseguiu o seu objetivo. A partir daí começou a sentir a necessidade de ir mais adiante, então ela estudou mais, trabalhou mais e conseguiu chegar no topo de sua profissão. Aí surgiu uma pergunta em sua vida: "E agora?" Insatisfeita, a mulher abandonou o emprego, saiu do nordeste e veio para o sul. Começou tudo de novo e mais uma vez ela chegou aonde queria em sua vida profissional. Depois de tudo isso a questão retornou: "E agora?"
Se procurarmos, iremos encontrar inúmeras histórias semelhantes. Todo este roteiro parece vir de algo que não corresponde a quem somos, a nossa verdadeira essência. Este algo, às vezes se contenta com muito pouco, em outros casos ele quer sempre mais; dinheiro, poder, fama e até mesmo a nossa vida. Precisamos estar despertos para aprender a lidar com isto.
"Para que isso ocorra, o ser humano deve inicialmente reconhecer esse fato para posteriormente descobrir a causa. Sem reconhecer o direito de ser feliz, ele nunca vai viver numa sociedade justa, nem em harmonia com os outros seres. Esse direito lhe é intrínseco e habita o seu interior".³
A angústia muitas vezes vem do fato de querer ser normal em um mundo onde a loucura predomina. Querer fazer o que ensinaram que é certo, enquanto todo o resto parece estar errado.
Com a TV ligada enquanto preparava uma limonada numa manhã de domingo, a apresentadora do programa esportivo falou, enquanto mostrava os lances do futebol europeu, que um jogador que havia sido negociado por 60 milhões de euros tinha feito um gol que fez valer cada centavo nele investido. Isso me fez pensar o quão barato estava o tratamento dentário que eu vinha adiando há tempos. São por bobagens como estas que alguns sofrem valorizando coisas sem valor. O que você ganha quando o seu time ganha por exemplo?
"A Matrix está em todo lugar. É tudo que nos rodeia. Mesmo agora, nesta sala. Você pode vê-la quando olha pela janela, ou quando você ligar sua televisão. Você pode sentir isso quando você vai para o trabalho, quando você vai à igreja , quando paga seus impostos. É o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para cegá-lo da verdade".⁴
Influências externas também criam seus vícios fazendo-te acreditar até que toda segunda-feira é ruim e que só os dias ensolarados são bons. Na verdade todo dia com sol ou chuva é lindo, toda segunda-feira com trabalho ou sem trabalho é maravilhosa, mesmo porque quando estamos em férias muitas vezes nos confundimos sobre em que dia estamos e até apreciamos uma tarde chuvosa.
Com relação a importância das coisas, quanto valeria aquela mansão que você viu na revista ou o carrão dos seus sonhos se de repente exceto você, toda a população do mundo desaparecesse? Não valeriam nada. Algo só tem valor monetário quando existe alguém que possa pagar. Sendo assim, parece que há alguma ilusão nisso não é mesmo?
O que realmente vale a pena está conosco o tempo todo. Precisamos reconhecer o mau e aprendermos a evitá-lo. Identifiquemos o que faz parte ou não de nosso ser e passemos a ver a vida de uma outra forma.
"Se alguém quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a cruz cada dia e me siga (Jesus Cristo).”⁵
Se parece impossível sair desta prisão, reconhecer que ela existe já é um bom começo. O passo seguinte é descobrir como não levá-la tão a sério e finalmente sentir que é possível ser feliz mesmo vivendo com o "inimigo".
Referências:
1 - Revolver. Direção: Guy Ritchie. Produção: Luc Besson, Virginie Silla. Saint-Denis: EuropaCorp Films, 2005.
2 - Leoni; Paula Toller; Herbert Vianna. Educação Sentimental II. Kid Abelha e os Abóboras Selvagens. Educação Sentimental. Rio de Janeiro: Warner Music, 1985.
3 - Morgana Gomes. A Vida e o Pensamento de Buda. São Paulo. Minuano Cultural.
4 - Matrix. Direção: Lana Wachowski, Andy Wachowski. Produção: Joel Silver. Burbank: Warner Bros., 1999.
5 - Lucas 9:23
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